“UM REVIDE”: eles disseram

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Equipe Objorc

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30 de setembro de 2018

Junho de 2018. Cinco anos após as Jornadas de Junho, uma das últimas manifestações populares que marcaram a história do Brasil, o jornalismo se levanta, respira e reúne, em 18 páginas, uma reportagem para falar de ARTE, e de como nossas vidas, sonhos, hábitos e memória, foram (e ainda são) atravessados pela crise política que eclodiu em 2013 e reverbera desde então.

As jornadas de junho foram o estopim, o ultimato, a convocatória de uma luta que, desde então, se manifesta, paulatinamente, em todos os setores da sociedade, e, em especial, na produção artística. Apesar de asmática, essa luta persiste, e é identificada nas obras de arte mapeadas na reportagem Desde de as Jornadas de Junho, da jornalista Luciana Veras, publicada na Edição de junho da Revista Continente Multicultural.

Para situar o leitor, e ainda dar uma pista do que está por vir, a jornalista começa trazendo Eugênio Bucci para a conversa. Uma citação do autor abre o texto e nos apresenta, em um trecho/crônica, o que foi o cenário de junho de 2013:

“O rio de manifestantes brotou do asfalto”

Ganhamos, de tabela, uma referência à Drummond. A sensibilidade de Bucci mesclada a de Veras, que segue apresentando uma das primeiras expressões artísticas que capturaram a vida em meados de 2013: A fotografia. A jornalista traz o ensaio do fotógrafo Pio Figueiro, publicado na Revista Zum [especializada em fotografia] sob o título de Passe Livre, a saber, uma das fotos é a capa da edição de junho da Continente.

A arte é a expressão de um povo, de uma época. É o Haja Luz de individualidades repletas de coletividades. A fagulha do desenvolvimento pessoal e um sintoma de desenvolvimento social.

O texto é uma tessitura histórica que alinhava as falas de mais de 18 fontes, entre elas, referências literárias e depoimentos de artistas, curadores de arte e acadêmicos como Dulce Pandolfi, uma das principais pesquisadoras no Centro de Pesquisa e Documentação Histórica do Brasil da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV) . Discute desde artes como a fotografia, o cinema documental, artes visuais, intervenções urbanas e instalações modernas até às manifestações espontâneas de mulheres nordestinas que bordaram peças em defesa do ex-presidente Lula. Desde as Jornadas de Junho é um ótimo exemplo da arte que é fazer um bom jornalismo, bem apurado e historicamente relevante.

Há um notório encadeamento didático das informações e depoimentos, o texto não se esgota no período entre 2013 e 2018, mas resgata até os anos de 1964, funcionando assim como um aula de história. Poderia muito bem ser referência para uma aula de Artes. E, com certeza, é uma aula de posicionamento político. Um jornalismo preocupado com o desenvolvimento humano e ciente de que a mídia é um grande fator contribuinte para a transformação social, sabe, posicionar-se é preciso.

Notamos no texto de Veras sutilezas que revelam essa postura política, como o uso de frases, aspas de seus personagens, como extensões do que seria seu posicionamento a respeito do assunto e o uso desinibido do termo golpe. Um jornalismo que impulsiona o homem à ação, como diria Luiz Beltrão (1994), não se camufla em pretensos ideais de objetividade. Em vez disso, esse jornalismo assume suas subjetividades, sem as colocar, nunca, como verdades estanques.

A reportagem é especialmente elogiável porque inclui o público infantil na equação. Apesar de não ser uma leitura destinada a crianças, inclui a necessária obra Histórias de fantasmas verdadeiros para crianças, da jornalista e realizadora pernambucana Mariana Lacerda. A produção, composta por quatro episódios de 26 minutos cada, tem o objetivo de falar às crianças sobre o período de Ditadura Militar que assombrou o país entre os anos de 1964 e 1985.

Interessante, também, é como o termo políticas públicas é acionado através da fala do artista visual Gilvan Barreto quando descreve seu novo projeto de longa-metragem:

“A devastação como política pública e o genocídio e o racismo estruturais da sociedade: o encontro de duas políticas públicas desastrosas que são pilares do desenvolvimento social”

O termo que deveria significar uma ação do Estado no intuito de arranjar soluções para situações problemáticas, ganha, na fala do artista, um sentido reverso, negativo.

A jornalista também faz analogias entre as Jornadas de Junho e o mito da Caixa de Pandora, fala das manifestações evocando suas semelhanças com a Torre de Babel, mitos e histórias que guardam modos de ser da humanidade e que, de uma outra maneira, podem explicar os acontecimentos. Faz também menção à Copa do Mundo, às Olimpíadas de 2016 e ao episódio de censura à arte na apresentação do artista Wagner Schwartz, no Museu de Arte Moderna (MAM). Só um jornalismo com uma potente sensibilidade poderia dar conta desse recorte da realidade. Luciana Veras, como a arte e os manifestantes que entraram em evidência naquele junho, faz parte dessa massa que resiste e insiste em mudar o status quo através de suas habilidades, sejam elas, visuais, sonoras ou jornalísticas.

A arte é a expressão de um povo, de uma época. É o Haja Luz de individualidades repletas de coletividades. A fagulha do desenvolvimento pessoal e um sintoma de desenvolvimento social. As expressões artísticas de uma comunidade, sejam elas a pintura, a escultura, o cinema, a dança, o teatro, a música, a arquitetura, e dentre outros, refletem a história e cultura daquele povo. Cada manifestação de arte está contando uma história por meio da estética, guardada na beleza, no horror, no sublime… Buscando, assim, através da emoção, chegar à razão.

“A Arte é uma forma de crescimento para a liberdade” (Fayga Ostrower)

Luciana Veras talvez saiba disso. Seu trabalho é uma afinada apuração sobre arte, política e história. Uma síntese do Gigante, que, ainda que acordado, permanece atormentado pelas lembranças daquele junho.

Assim, podemos concluir:

“O jornalismo é quem machuca o poder” (Eugênio Bucci).

E, em Desde as Jornadas de Junho, o jornalismo, em consonância com a Arte, pensam sobre a ferida aberta em 2013, já há muito exposta; fétida e esteticamente explorada (ainda bem!). Pensam e nos fazem pensar, e chegar a um entendimento coletivo, uma apreciação da arte e de sua potente capacidade de nos comover e incomodar. E de sua incessante tentativa de nos alertar. E revidar! Assim como deve ser, também, o jornalismo.

Mayara Bezerra


A chamada do especial “Desde as Jornadas de Junho” está disponível em:

https://www.revistacontinente.com.br/edicoes/210/desde-as-jornadas-de-junho

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