A arte resiste ao caos

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Equipe Objorc

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13 de maio de 2022

Imagens: Avener Prado; Montagem: Beatriz Gomes

Os últimos anos foram atípicos, caóticos e preocupantes ao redor de todo o globo terrestre. Uma pandemia trouxe drásticas mudanças nas vidas de pessoas em todo o mundo. Na arte também foi tempo de se reinventar para sobreviver. E de certo modo, é o que aborda a Tab Uol na reportagem “Equilibristas no Caos”, publicada em abril de 2021. Um panorama da experiência de Lucas Buzatti (repórter) e Avener Prado (fotógrafo), que acompanharam por quatro dias a rotina da Casa Circo Gamarra. 

Gamarra na verdade é o sobrenome de Diego, argentino de 42 anos que abriu as portas da casa em que vive com o filho para receber os artistas transeuntes que passam pela cidade, e buscam abrigo por algum tempo. Assim, Gamarra também abriu as portas para nós leitores, através dos registros de Buzzatti e Prado, expondo um pouco da rotina desses artistas em meio à pandemia.

Uma rápida pesquisa da palavra “rotina” no dicionário nos leva a resultados como: “sempre da mesma forma”; “que se faz todos os dias”; “caminho habitual”; e apesar de utilizada anteriormente, não podemos dizer que esse significado se aplica completamente as personas às quais Buzatti nos apresenta. São vidas que estão, em grande maioria, trilhando caminhos diversos sempre que podem. Para muitos, uma vida meio “sem rumo”, zarpando entre metrópoles e vilarejos, muitas vezes sem uma moradia fixa. Não porque não podem ter, mas porque escolheram assim.

Na reportagem, nos deparamos com um espaço que eu, e certamente você, nunca estivemos. Ainda assim, temos a permissão de experienciar um pedaço desse lugar, através de fotografias feitas sob o olhar ostensivo de Avener Prado. As imagens se espalham ao longo de toda a reportagem, e vão desde o registro dos artistas em ação até as atividades rotineiras dos que residem na Casa Gamarra. Essas imagens se complementam bem ao texto de caráter bem descritivo. 

Conseguimos enxergar esse compromisso com a descrição fiel aos acontecimentos, já a partir do primeiro parágrafo onde visualizamos, através de palavras, dois artistas em seus ofícios, em meio a uma cidade que começa a ficar temerosa com o início do mundo caótico que vivenciamos há mais de dois anos.

Mais a frente, por exemplo, o autor descreve o exterior da casa como um lugar com uma fachada alegre, colorida e, sem dúvida nenhuma, chamativa, e faz um comparativo com a realidade dentro dela. Não que essa realidade seja de um lugar sem essa alegria da fachada, mas por refletir as consequências de uma pandemia: a movimentação agora já não tem a mesma intensidade de outros tempos. 

“Estou em dúvida quanto ao meu papel de artista, não sei se coloco a máscara na boca ou nos olhos”

A pandemia nos trouxe uma nova forma de viver, as recomendações foram claras: isolamento, uso de máscaras e distanciamento social, nada de eventos públicos e aglomerações. Com essas medidas tomadas para achatar a curva de contaminação, os artistas no geral sofreram o impacto direto, pois o público não estava lá. Os locais que antes eram movimentados e fontes de renda estiveram por um bom tempo esvaziados.

A partir dessa premissa, a reportagem vai nos apresentando a vários personagens, ligados pela arte circense e pelo espaço que passaram a ocupar juntos. Cada um com sua própria história, como o paulistano Sérgio Yago, conhecido como Cebola, que revelou ser a primeira vez em doze anos que pagava aluguel fixo, uma vez que escolheu um estilo nômade para viver. Ou o casal Raphael e Mara, ele paulistano e ela chilena. Os dois chegaram a Belo Horizonte justamente com a ideia de se hospedarem na Casa Circo Gamarra, e de viver a experiência que antes apenas ouviram nos relatos de um amigo.

Apesar de exaltar a arte, a alegria e comunhão entres esses personagens, a reportagem não deixa de passar por problemáticas importantes, bem como a dificuldade financeira passada por muitos desses hóspedes. O que já não era fácil,  cada vez pior. Ser artista em meio a uma pandemia e uma crise econômica e social significa lutar duas vezes mais para sobreviver. E foi justamente no período de caos que a importância da arte na vida da espécie humana se fez ainda mais certa. 

Mas apesar disso, Cebola relata também as nuances comportamentais do público urbano.

 “Muita gente aplaude, agradece, mas fecha o vidro. É difícil alegrar as pessoas e, ainda, tirar uma moeda.” 

No geral, os artistas urbanos estão ali por sua conta e risco, há quem queira naquele momento de sinal fechado, por exemplo, em meio a correria do dia a dia, apreciar os malabarismos de artistas como o Cebola, e o remunerar pelo seu trabalho, mas há também os que agem na contramão, os que fingem ou não querem ver. Podemos dizer que esse comportamento está atrelado a visão de um sistema econômico que não enxerga a arte como profissão, e aos estereótipos que cobrem alguns olhos. Estereótipos estes que o autor não peca em perpetuar. 

“A arte existe para que a realidade não nos destrua.”

Friedrich Nietzsche

De forma necessária, a reportagem discorre sobre os recursos e adaptações buscados para a subsistência dos artistas no período de pandemia. É de conhecimento público que durante o período pandêmico houveram algumas leis de auxílio e incentivo para a cultura. A exemplo da Lei de Emergência Cultural Aldir Blanc, sancionada pelo presidente em 29 de junho — tão a contragosto a ponto de ter sido regulamentada em seu prazo limite — que permitiu que tanto Gamarra, como outros artistas espalhados pelo país, pudessem continuar a respirar sua arte. É preciso lembrar que mesmo não sendo dito no texto de Buzatti, esses projetos de leis são resultados mais uma vez de mobilizações e cobranças populares, uma vez que ser artista no Brasil também é levantar e resistir para seguir respirando. 

Com uma boa dose de otimismo e reflexão, a reportagem chega ao fim com um convite necessário e pertinente: “o que te faz feliz?” ou “quais os seus desejos?”. Numa época de muita instabilidade em vários âmbitos sociais, e que chega a comprometer o nosso bem estar físico ou mental, é importante a todos nós, nos atermos ao que nos conecte esse estado de bem estar e consolo. 

 “Equilibristas no Caos” pode ser conferida aqui: https://tab.uol.com.br/edicao/circo-gamarra/#end-card

Beatriz Gomes

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