Equipe Objorc

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25 de setembro de 2023

(Foto: Bruno Santos/Folhapress / Arte: Giovanna Azevêdo)

O meu primeiro contato com videogames de maneira geral foi por meio do Mega Drive, um console feito pela Sega, empresa japonesa que trabalha nesse ramo desde os anos 80. O mais interessante é que eu me lembro do primeiro jogo que experimentei: Shinobi III: Return of the Ninja Master, jogo desenvolvido também pela Sega. Depois disso, não parei mais. Sempre fui um consumidor de jogos eletrônicos e pude acompanhar o crescimento dessa indústria. Inclusive, do mercado brasileiro. Jogos brasileiros são necessariamente uma novidade, mas boa parte deles acabaram caindo no esquecimento e os mais recentes são vistos como produtos de segunda categoria.

No entanto, nos últimos anos o Brasil vem demonstrado o grande potencial que temos para a realização de obras de grande impacto, não apenas financeiro, mas sociocultural. Começa com o jogo tático Chroma Squad em 2015. Em 2018 vem com Dandara, jogo de plataforma que tem como base de sua personagem principal a Dandara dos Palmares. No ano passado, tivemos Unsighted. A reportagem produzida pela Folha em maio de 2022 e escrita por Gustavo Soares “Desenvolvedoras trans brasileiras chegam ao topo com game Unsighted” trata sobre questões importantes, não apenas relacionadas à indústria dos videogames no Brasil, mas a valorização de um produto cultural que é nosso e que bate de frente com jogos de grandes polos existentes em outros países.

Unsighted é um jogo que trata sobre questões que estão em discussão na nossa sociedade atual. Seja direta ou indiretamente, o game trata sobre a diversidade, questões ecológicas, mas a principal gira em torno das consequências de ações que nós tomamos ao longo do game e a sensação de urgência de tomarmos essas decisões em um mundo que está em transformação. A reportagem também discute sobre as inspirações que as desenvolvedoras tiveram ao produzir o game. Como o xadrez ou dominó, um jogo eletrônico tem suas próprias mecânicas, regras e estratégias, sejam implícitas ou explícitas. Porém, são dados outros nomes a esses elementos, alguns inclusive são termos em inglês. Teríamos aqui uma barreira que pode impedir leitores que se depararem com esses termos pela primeira vez de compreender a matéria. Contudo, o jornalista compreende essa possível barreira que pode prejudicar a leitura e disponibiliza um glossário para que você possa ler sem grandes dificuldades a matéria.

Unsighted foi produzido e lançado em um período em que há altos investimentos na indústria dos jogos. Só como exemplo, Grand Theft Auto V, conhecido popularmente como GTA V, teve um custo estimado em 265 milhões de Dólares. E estamos falando de um game feito em 2013. Como concorrer com produções de valores astronômicos? E aí, entra em cena o mercado dos jogos indies (jogos independentes). Da mesma forma que o cinema, a indústria de jogos também conseguiu criar esse braço de produção, distribuição e arrecadação. A reportagem conseguiu muito bem construir esse panorama para um leitor que está entrando pela primeira vez nesse mundo dos jogos e também foi bem-sucedida ao conseguir localizar o Brasil como participante desse mercado independente. 

Fazer jogos é difícil. Existem várias questões que tornam a produção desse tipo de arte uma atividade extremamente complicada e o Gustavo Soares conseguiu descrever isso na matéria e aqui vejo outro elemento importante: uma ajuda às pessoas que querem dar o primeiro passo. A Tiani e Fernanda por meio da reportagem demonstram como conseguiram superar as barreiras em etapas de vida de um jogo. Da pré-produção à distribuição. Conseguiram assim, conforme elas mesmas dizem, realizar um sonho de criança.

A reportagem ainda poderia ir além, caso se aprofundasse mais em torno das desenvolvedoras serem mulheres trans. Segundo o Censo da Indústria Brasileira de Jogos Digitais, realizado pelo antigo Ministério da Cultura em 2018, quando questionados sobre pessoas trans no mercado brasileiro, apenas 0,4% de sócios ou colaboradores se identificaram como pertencentes a esse grupo. Porém, com a descrição da superação das barreiras relatadas na matéria, as desenvolvedoras conseguem encorajar outras pessoas que se identificam dentro do movimento LGBTQIAPN+ e tenham videogames como paixão, a se envolver com os jogos eletrônicos, vendo isso como uma forma de renda e indústria, como também de meio comunicativo. Isso possibilita que membros dessas minorias possam construir narrativas próprias, visões e representações de suas lutas por meio dos games.

Um elemento a ser destacado na matéria diz respeito à utilização de fotos. Nela consta um ensaio fotográfico com a Tiani e a Fernanda, que talvez à primeira vista não demonstre nenhuma importância, mas possui.

Dentro de uma indústria que apenas os executivos têm cara e voz, você apresentar pessoas que são as responsáveis pela parte criativa do jogo possibilita que ocorra uma coisa extremamente simples: o ato de existir, de você perceber que aquele jogo que você tanto ama não é feito por um conjunto de computadores, mas sim por pessoas. E se tratando de um jogo indie feito por duas mulheres trans, o peso ainda se torna maior.

Unsighted foi lançado no final do ano passado. A recepção do game foi positiva, não apenas aqui no Brasil, mas no exterior. O Polygon, por exemplo, elegeu o game como um dos 10 melhores do ano, juntamente como Forza Horizon 5 e Ratchet and Clank: Rift Apart, jogos feitos por gigantes do mercado, Sony e Microsoft, com um orçamento e estrutura de marketing muito maior. Esse reconhecimento gera uma valorização não só apenas da  nossa cultura, como também de nossos jogos. É a prova de que o nosso mercado ainda tem muito a oferecer a essa indústria que já se tornou maior do que a do cinema e da música juntas. E como a própria reportagem aponta, a roda continua girando. Por meio das vendas do jogo, as duas desenvolvedoras já podem trabalhar num novo projeto com tranquilidade e continuar trazendo novas narrativas e experiências.

A reportagem do Gustavo Soares sai do ponto comum e se aprofunda em elementos pertencentes aos videogames que não são discutidos com tanta frequência dentro do jornalismo tradicional. Ela consegue cobrir as dificuldades que os desenvolvedores brasileiros passam (e o reconhecimento vindouro vindo disso), um pouco sobre o processo criativo da Tiani e da Fernanda como trabalhadoras da indústria criativa e a natureza emancipadora que os jogos eletrônicos possibilitam para seus participantes, tanto para os que estão na labuta digital em produzi-los, como para os que estão do outro lado segurando o controle. E o Brasil está apenas na sua flor da idade em termos de games, mas como bem demonstrado por Unsighted, o nosso potencial é tão gigante quanto a sua própria natureza.

Iago Duarte

Unsighted: Desenvolvedoras trans chegam ao topo com gameestá disponível em:

https://www1.folha.uol.com.br/tec/2022/05/desenvolvedoras-trans-brasileiras-chegam-ao-topo-com-game-unsighted.shtml

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