Pattrícia de Aquino

Destaques, Entrevistas, Postagens | 0 Comentários

Equipe Objorc

Equipe Objorc

21 de maio de 2025

(Patrícia de Aquino. Imagem por: Lunara Vasconcelos)

Atriz, diretora, roteirista, dramaturga, professora de teatro e preparadara de elenco, Pattrícia de Aquino tem um vasto currículo. Natural de Campina Grande, mas com suas raízes em São Domingos do Cariri, iniciou sua carreira artística em 2001, no Rio de Janeiro, onde trabalhou em mais de 10 espetáculos como atriz. De volta às origens, produziu diversos projetos entre Campina Grande e João Pessoa, com passagens marcantes também no cenário nacional, com a minissérie “Amazônia — de Galvez a Chico Mendes” (2007), da Rede Globo; e a série “Cangaço Novo” (2021), da Amazon Prime Vídeo. Se o teatro foi uma porta de entrada para sua carreira artística, como ela mesma afirma nesta entrevista, o cinema representou sua paixão. Com tanta dedicação, levou uma diretora e roteirista paraibana a participar de mais de 85 festivais e mostras de cinema no Brasil e no exterior, com produções que lhe renderam 35 prêmios.

Em entrevista ao ObjorC, a atriz falou da sua trajetória, dos desafios da carreira, das leis de incentivo à cultura, da importância do premiado “Ainda estou aqui”, vencedor do Oscar 2025 na categoria “Melhor filme estrangeiro”; e do que é ser uma mulher paraibana no cenário audiovisual, com destaque para as suas produções “Rasga Mortalha” (2018), disponível na plataforma de streaming Box Brazil Play e no Aruanda Play; “Joana” (2021), que pode ser vista no Box Brazil Play e no Prime Vídeo; e o seu mais recente “Concha”, lançado em dezembro de 2024, ainda em fase de distribuição.

Objorc — Como surgiu a sua paixão pelo audiovisual?

Pattrícia de Aquino — Sempre fui muito apaixonada por novelas. Só que eu morava no sítio, ainda criança, na roça mesmo, sem energia elétrica. Um dos meus tios, que eu considero como um pai, influenciou muito, porque ele que ajudou a minha mãe a me criar, tio/padrinho que me levava do sítio pra rua, para poder assistir as novelas. E aí fui me apaixonando cada vez mais. Quando eu assisti “Mulheres de Areia”, ainda guria, olhava para a Glória Pires e dizia: “Nossa, que massa, ela faz dois papéis! Que incrível!”. Foi ali que me apaixonei e pensei é isso que eu quero fazer na vida.

ObjorC — Você vem se experimentando em várias funções, atuando, escrevendo e dirigindo… em qual dessas funções você se sente mais à vontade?

Pattrícia de Aquino — Então, realmente eu comecei quando fui embora para o Rio. Fui estudar teatro e atuação. Passei oito anos estudando e escrevendo, depois fui produzir meus espetáculos, mas um pouco antes disso veio a vontade de dar aula. Conversando com meu professor da época, ele disse: “Vá estudar para isso e me ajudou muito!”. Em outra conversa com ele sobre ser chamada pra trabalhar, ele falou: “Pattrícia, não espere ser chamada para fazer as coisas, vá fazer as suas!”. Aí eu comecei a estudar pra isso, já para fazer outras funções. Quando eu fiz a participação na Globo, foi o máximo”. Mas, aí veio a questão da direção para o audiovisual, porque até então eu dirigia mais para o teatro, atuava mais no teatro. Quando veio a direção para o audiovisual, eu meio que me encontrei. Então hoje eu me sinto muito bem dirigindo. Me sinto mais à vontade.

ObjorC — Como é atuar nesse meio no contexto paraibano?

Pattrícia de Aquino — Não é uma tarefa fácil. Não é, por conta da falta de investimento no geral. A gente está com esse “boom” do audiovisual esse ano por conta da Lei Paulo Gustavo, mas até então não rolava isso. Eu fiz dois filmes, na verdade três, mas um foi com a minha turma de teatro, então ele roda mais dentro de festivais, para a escola, para a educação. Mas, os dois primeiros eu fiz praticamente sem dinheiro. O “Rasga Mortalha”, que foi do projeto “Revelando os Brasis”, tinha grana para o começo, em três etapas. A primeira etapa tinha grana. A segunda etapa não tinha, que era gravar o filme. Então mobilizei a minha cidade, fiz rifa, novena, para pedir as coisas para o povo, Quase que a totalidade da equipe trabalhou de graça. E na terceira etapa eles cobriam tudo, que era edição e lançamento. Depois veio “Joana”. Sem grana, toda a equipe trabalhou de graça novamente. Porque a gente bate nas portas, e toma muito “não”. Infelizmente, as empresas ainda não têm essa visão de que se eles investirem na cultura, na arte, o retorno deles é muito grande. Eles ainda não têm essa noção da grandiosidade que é investir no audiovisual. Então assim, é uma tarefa difícil por conta das políticas públicas, tanto que o último edital que saiu do Estado da Paraíba foi em 2014, para você ter ideia. Saíram esses, mas tudo vindo da Lei Paulo Gustavo e Aldir Blanc. Nada que seja concretizado aqui, entendeu? E quando a gente bate na porta das empresas, a gente escuta um “não”. Uma ou outra que tem uma visão de dar um apoio, mas quando passa para a parte financeira já era.

ObjorC — E como é fazer cinema no Brasil?

Outra pergunta difícil. Fazer cinema no Brasil é complicado, mas a gente sabe que quando chega no eixo Rio-São Paulo, tem algumas facilidades, até pelo tempo, pelo investimento, porque a maior parte dos investimentos públicos vão para esse eixo. Quando a gente joga para o Nordeste, a gente sabe que o Ceará, Pernambuco, Bahia, estão anos-luz à frente da gente aqui da Paraíba e dos outros estados. Então, ainda é uma tarefa muito difícil por conta disso. Mas, aí estão sendo lançados alguns editais, alguns projetos para o Nordeste. O Ministério da Cultura esses dias lançou um edital, com um investimento muito alto no audiovisual direcionado exclusivamente para o Nordeste. Então, isso vai ajudar bastante. Mas, quando chegam esses editais, bate outra questão bem complicada: se você não tiver uma produtora que já atua com mais de dois anos no mercado, você é vetado, excluído. Como é que você, sem dinheiro, abre uma empresa — uma produtora, e mantém ela? Porque é caro, é muito caro abrir uma empresa e mantê-la. Mensalmente você tem gastos com ela. Eu já tenho um currículo bastante extenso. Há mais de 20 anos que trabalho no meio, e tem editais que eu não consigo entrar, porque a minha produtora vai fazer dois anos agora, entendeu? “Ah, porque a minha produtora ainda não produziu longa-metragem…”. Então isso inclui todas essas questões, que eu acho que tem que ser debatidas, trabalhadas, para que se expandam e que a gente possa trabalhar mais tranquilamente.

ObjorC — Na sua opinião, o que falta para impulsionar essas produções?

Acho que municípios e estados não estavam preparados. Até porque não tem investimento. Eles não estavam preparados para a Lei Paulo Gustavo. O fundo financeiro dessa lei é do fundo setorial do audiovisual, e as outras categorias não entenderam, acharam que estava indo só para o cinema. E não, foi uma lei lançada durante a emergência da pandemia, e que foi vetada pelo antigo governo que não liberou. E aí, quando o atual governo entrou, houve essa liberação. Por isso que veio de uma vez assim. Muita gente questionou os 70% que foram para o audiovisual — os investimentos… várias pessoas não entenderam, porque esse dinheiro vem dos impostos que a gente paga fazendo cinema no Brasil, e que fica retido. E aí o governo liberou esse dinheiro para voltar para o audiovisual. Já é diferente da Aldir Blanc. Quando o dinheiro da Aldir Blanc chegou nos estados e municípios, dinheiro que seria para todo mundo, falaram assim: “Mas vocês receberam muito dinheiro ano passado…” Então quer dizer, a administração já começa errada. Eu acho que falta preparo, falta interesse do poder público, para que as políticas públicas possam incluir, não só no audiovisual, mas todas as artes. De um modo geral, a gente ainda trabalha com “pires na mão”, pedindo esmola, infelizmente.

ObjorC — Como você avalia a repercussão do filme “Ainda Estou Aqui”, no contexto nacional e internacional após a saída de uma certa bolha e o alcance de outros locais?

Olha, para nós que fazemos arte no Brasil é uma representatividade muito grande. Porque chegar lá, a gente já sabe como é… Então, quando Fernanda foi indicada, eu vibrei muito com isso. Porque é uma mulher trazendo essa visibilidade, não só para o Brasil, mas para nós que fazemos cinema. Isso é muito bom. O que eu questiono é que ainda é na bolha Rio-São Paulo, infelizmente. Ainda é um diretor homem, né? Então, eu comentei esses dias uma postagem no instagram da Fernanda — sou fã da Fernanda, sou fã da mãe dela, e disse: “Eu ainda sonho que uma mulher também consiga chegar lá como diretora e tendo a mesma visibilidade”. Porque nós temos diretoras maravilhosas, fazendo filmes incríveis, mas a mídia ainda não dá visibilidade como a gente gostaria.

ObjorC — Você iniciou sua carreira no teatro. Como foi essa sua relação com o audiovisual?

Primeiro que fazer cinema era um lugar muito distante. Quem me deu a oportunidade de sonhar em fazer cinema foi o André da Costa Pinto. Caririense, paraibano, de Barra de São Miguel. Tinha um projeto de extensão aqui na UEPB, quando eu cheguei e ele me acolheu, e foi aí que eu pude sonhar com cinema. E quando eu entrei nesse meio, eu vi a dificuldade. O meio audiovisual ainda é muito machista. Então, ultrapassar isso é complicado, porque se você não aceitar gritos, não aceitar certas situações, você passa a ser arrogante, prepotente, e que você está se achando, que você já se considera uma estrela… às vezes é preciso a gente aumentar a voz para as pessoas ouvirem, porque parece que a gente tem que provar três vezes mais, diariamente, que nós somos boas no que fazemos.

ObjorC — O seu mais recente filme, Concha, fala sobre o amor na terceira idade e as dificuldades que vem com ele. Por que você decidiu trabalhar com esse tema?

Eu comecei a perceber que quando a mulher chega nos 40, parece que ela morreu. A sociedade olha para ela como se ela não existisse mais. “Ah, você não pode gostar desse tipo de música, você não pode ir a tal lugar, você não pode namorar uma pessoa mais jovem, independente que seja homem ou mulher, não pode usar essa roupa”. Caramba, espera aí… estamos vivas e a gente quer fazer as coisas, e fazemos muito bem. Por que a idade tem que limitar as pessoas? Então, isso começou a me incomodar. E aí veio a questão da pandemia, que aí a gente perdeu muita gente, e eu disse“Cara, por que eu não pego a questão da finitude da vida, isso que a gente não tem mais esse tempo todo, e junto com o amor e transformo tudo?”. Aí eu encontrei um caderno, com meu primeiro texto de teatro que escrevi e não finalizei. E pensei… “Eu quero os meus protagonistas com 40 mais, 50 mais, 60 mais”. Então eu vou falar sobre o etarismo, por que essas pessoas não podem amar? Amor é sentimento, não é um objeto que envelhece e a gente pega. O amor não tem idade, não tem sexo, não tem raça. É amor. E aí eu construí “Concha” a partir desses questionamentos. E é uma coisa muito bacana que está acontecendo e tem várias artistas mulheres fazendo vários trabalhos 40 mais. Temos a Cláudia Raia, a Mônica Martelli, a Ingrid Guimarães… Então, a gente vê essa galera trabalhando essa questão, elas são famosas, mas também estão sentindo o peso disso.

ObjorC — Por que o nome Concha? E qual a expectativa com esse novo projeto?

Então, em 2010 eu estava passando por um momento bem complicado de saúde. E um amigo meu me presenteou com um livro chamado “os catadores de conchas”e eu amei aquela história de amor. Naquela época, em 2010, eu falei: “um dia eu ainda escrevo um espetáculo, um filme, contando essa história”. E quando veio a ideia do romance, eu pensei: por que não pegar essa ideia e transformar nisso daqui? Ele foi lançado oficialmente em dezembro de 2024, está começando a carreira dele agora. Está tudo muito recente, ainda estou fazendo a distribuição dele. A gente não sabe muito bem qual vai ser a navegação que ele vai fazer, mas começou bem no Festival Aruanda, já está no Rio Grande do Norte e seguindo para outros festivais.

ObjorC — Você já foi diretora, roteirista, atriz, professora, já fez oficina. O que vem pela frente?

Estou com uma oficina, que foi selecionada agora para roteiro audiovisual para mulheres do MST. Então, eu vou ministrar minha oficina agora em 2025 para essas mulheres. Já tenho roteiros prontos, esperando a oportunidade de serem gravados. E em dezembro do ano passado tirei uns dias de férias para dar uma acalmada, mas fazendo projetos já pensando em 2025. Pelo menos uns três filmes, que devem existir e vão existir. Também em dezembro aconteceu o espetáculo da minha turma de 2024. A gente vai construindo e, quando tem oportunidade, a gente tira da gaveta e a gente faz ela rodar.

ObjorC — Qual das suas produções você tem um apego maior? Tipo, aquela que você olha e pensa: “Nossa, eu produzi essa aqui num momento x”.

Quando eu montei o meu primeiro espetáculo no Rio de Janeiro, com texto meu, atuação minha e produção minha, foi muito significativo. Você ver sua cara estampada nos outdoors da cidade foi muito significativo. Mas, eu sempre falo “Rasga Mortalha”. Eu tenho um amor muito grande porque foi o primeiro e foi o que me jogou, né? Impulsionou a minha carreira para viajar dentro do Brasil, para ganhar prêmios, ser reconhecida, fazer essa mobilização para o filme… e foi tudo pedido mesmo, porque lá em São Domingos não tinha pousada, não tinha restaurante, e como é que eu ia botar as pessoas que iam trabalhar? Eu saí pedindo as casas emprestadas, para vizinhos, travesseiro, cama, panela, pedindo dinheiro… fazendo uma novena para pedir às pessoas… Era assim: “gente, me empresta isso, me dá isso, eu preciso de dinheiro…”. Então, eu aprendi muito com “Rasga Mortalha” e nessa época ainda morava em João Pessoa, só tinha o final de semana para ir para o Cariri, produzir… então eu tenho uma afeição muito grande por “Rasga Mortalha”. Amo de paixão esse trabalho.

ObjorC — Falamos muito sobre cinema e produção. Sabemos que é difícil, mas queríamos que você definisse o cinema em uma palavra.

Paixão, paixão!

Por Amanda Tomaz.
Captação de imagem e som: Alzira Moura e Micaela Nogueira.
Revisão: Nicoly Monteiro.
Edição de vídeo: Micaela Nogueira.
Coordenação e edição: Luís Adriano M. Costa.

Escrito por

Escrito por

Equipe Objorc

0 comentários

Enviar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Send this to a friend