Fac-símile de algumas capas dos livros do escritor paraibano
“Se você não provocar a mídia, a mídia não vem até você”.
Efigênio Moura é natural de Monteiro (PB). Radialista, com passagens por diversas emissoras da região, e formação na área de Marketing, teve na sua infância vivida no Cariri paraibano, fonte fundamental para a sua produção literária. Autor de Eita Gota!, Ciço de Luzia, Santana do Congo, Caderneta de Fiado, Apurado de Contos e, mais recentemente, Pedro Jeremias, sua obra já foi estudada nas escolas, indicada para vestibular, analisada em dissertações de mestrado e teses de doutorado; inspirou compositores, como Chico Bezerra, que compôs a música Ciço e Luzia a partir de um dos seus romances; virou filme através do curta No Oco do Tempo, com direção de Antônio Fargoni, numa adaptação do seu último livro. Nesta entrevista especial para o ObjorC, o escritor fala da sua produção literária, do papel formador da leitura, da sua relação com a literatura e com a mídia, não deixando de lado o papel da crítica nesse processo. Fala, ainda, sobre a estética da sua obra, o que se revela no seu jeito de escrever, de pensar e no uso frequente das expressões retiradas do seu cofre de ideias regionais.
ObjorC — Na sua obra predomina o contexto regionalista, com referências extraídas do universo popular, o Cariri paraibano mais especificamente. O uso dessa linguagem é proposital ou é algo que reflete suas vivências?
Efigênio Moura — Além da terra em si, da geografia, a oralidade talvez seja a coisa mais forte que exista no meu livro. Na Universidade Federal do Espírito Santo, o livro Eita Gota foi por um bom tempo estudado no Curso de Letras, justamente pela oralidade. Como é que fala o nordestino? O pessoal da cidade de Feliz, no Rio Grande do Sul, por muito tempo debateu Ciço de Luzia justamente pela oralidade. Então, quando um livro meu sai do Nordeste e chega ao Espírito Santo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, não saiu o Efigênio Moura, saiu a minha região, o meu falar, o meu povo.
O meu povo fala daquele jeito, ele não fala errado, é uma maneira dele de falar, porque o que é falar certo? Ora, Portugal… Portugal que é Portugal não fala o português correto. Em Portugal existe um falar chamado Mirandês, de Mirandela, que é basicamente o nosso. É basicamente o que se fala em Moçambique, que fala em Cabo Verde, e porque nós, nordestinos, o nosso ‘oxente’, o nosso ‘prumode’, o nosso ‘prôvi’, ‘prumodequê’… Então, levar a minha língua para fora foi uma opção minha porque retratava melhor a minha terra. Se você planta um jardim na tua casa, tu vai ser o primeiro a sentir o cheiro das flores. Isso não foi eu que disse, foi o Neruda, não sei… Alguém já disse isso. E é verdade, se tu esquecer da tua terra tu vai ser quem?
Então, é isso, eu faço questão de levar politicamente o meu povo, a minha língua, o meu falar e, principalmente, a geografia da minha região. Eu preciso que isso seja dito, eu preciso que isso seja resgatado para que daqui a 10, 20, 30 anos não seja só eu, outros ‘Arianos’ a defender uma cultura que acabou. E isso não tem que acabar. Obviamente que você tem o português padrão, que tem que ter, e o português não padrão, que tem que ser respeitado. A partir do momento que você escreve como se fala, você tá respeitando uma tradição, você está respeitando uma língua, você está respeitando um momento, uma vida. E aí não há erro nisso, apesar de alguns acharem que há.
ObjorC — Fazendo uma retrospectiva da sua obra, pode-se estabelecer alguma lógica sequencial, considerando a proximidade dos temas?
Efigênio Moura — Meu primeiro livro foi Eita Gota — Uma viagem Paraibana. Depois veio Ciço de Luzia, que me deu a condição de ser o escritor mais visto, mais lido e mais comentado do ano de 2013, quando o livro esteve como leitura para o vestibular da UEPB. Com o sucesso desse livro, eu me senti na obrigação de sair do livro pra não ficar aquele cara que só tem uma música. Escrevi, então, Santana do Congo, que é um livro fantástico também, sempre dentro do Cariri, sempre com a nossa oralidade. Aí depois desse, eu dei um salto para o livro da minha vida, que eu chamo de Caderneta de Fiado. Uma homenagem ao meu avô, que tem o mesmo nome que eu, que tem um poema fantástico chamado Zefa, que era mulher de feira, que morava no interior de Alagoas e que não quis o meu avô, um homem bonito, lindo, fantástico, poeta, vaqueiro. Porque ela não quis o meu avô, aí eu criei Caderneta de Fiado, uma história grande. A vida nem sempre paga o que deve, e Zefa tem essas histórias de amor não pago, e ela anotava tudo aquilo pra não esquecer da força dos caboclos. E aí é a história da mulher guerreira, a força da mulher caririzeira, nordestina, onde ela não se dobra por paixões, não se dobra por palavras de tempo, onde ela não se dobra por promessas alheias, onde em momento nenhum ela acha que a vida se decide com o destino. Pra quê serve o destino? Ela assume os erros dela e passa a viver a vida dela como mulher digna, como é toda mulher. Caderneta de Fiado tem essa magia sobre mim, ele exerce um poder de fascínio muito grande em mim.
Depois de ‘Caderneta’ veio Apurado de Contos, que é uma ruma de contos que eu queria até imaginar como a trilogia de Pedro Jeremias, que é um cangaço feito pós-lampião. Todo mundo conta o cangaço de Lampião, principalmente historiadores. Eu conto uma ficção, eu pego um personagem que nunca existiu, ao lado de Corisco, na hora da morte de Lampião, e ele quer sair do Cangaço, mas não quer simplesmente deixar o cangaço, ele quer entregar as armas a Padre Cícero. Só que Padre Cícero havia sido morto há 4 anos atrás, em 38. Então ele quer botar as armas em riba da cova de Padre Cícero, e ele sai na saga… Sertão de Alagoas, Sertão de Pernambuco até chegar nos Cariris Velhos da Paraíba, quando começa o segundo livro. Aí no terceiro livro começa no Sertão da Paraíba de novo, até chegar nos Cariris Novos, que é Juazeiro do Norte. Toda a geografia exata da época de 38, toda oralidade exata de 1938. Foram cinco anos de estudo, muitas andanças pra chegar nessa trilogia.
ObjorC — Como você avalia o espaço dado pela mídia em relação à literatura? E quanto ao seu trabalho mais especificamente?
Efigênio Moura — Tem isso, né… Se você não provocar a mídia, a mídia não vem até você porque você merece. Eu sou um menino que já escreveu sete livros, que tem 21 livros pra lançar nesse ano de 2019. Há um projeto para isso. Então, eu sou o único escritor romancista, regionalista que escreve dessa forma. Acho que a mídia poderia ser mais aberta, mas tem que provocar, tem que ter uma provocação [do artista].
Mas, acho que a mídia devia estar mais atenta ao que acontece, né… Até porque eu grito muito, eu sou muito tagarela nas redes sociais. Eu tô sempre futucando, sempre dizendo: “ô eu tô aqui, eu tô aqui”. Não para que eu esteja em evidência, mas para que a literatura esteja. Mas, a mídia só se importa com uma situação, que é quando você está lançando o livro. Quando tu lança o livro a mídia chega junto porque você provoca. Tem que ter essa provocação. Por vezes pedidas você merece ter um mimo, como o G1 fez um dia desses em cima da obra. A revista Nordeste fez há uns dois anos atrás em cima da obra porque você também futucou. A única mídia que me foi espontânea foi a do G1.
ObjorC — E em relação às histórias que você coloca em evidência através dos seus livros, existe um tratamento adequado considerando as especificidades da sua obra ou você considera o tratamento dado pela mídia superficial?
Efigênio Moura — Há um interesse da mídia e até um espanto naquela questão que eu falei. Não é de ser autêntico, mas de falar o que você escuta. Tem formas de você falar a sua oralidade, de você retransmitir esta oralidade, mas ela não trata com frivolidade, a mídia não trata assim, ela respeita. Mas, ela respeita por pouco tempo, não quer dizer que eu tenho que ficar evidência o mês todo na TV Paraíba, na TV Globo, TV Record, não… mas, eu tenho que ficar, depois de mim tem outro colega que escreve, não dessa forma, mas de outra forma. Aqui em Campina Grande temos muitos bons escritores. Vou citar um: Fidélia Cassandra, já leram Fidélia? Já leram Mabel Amorim, Bruno Gaudêncio? Então, são pessoas. Josemir Camilo, o pessoal da Academia de Letras. Então, esse pessoal está fora da mídia! E a gente precisa da mídia para dizer que nós escrevemos, para que as pessoas que estão escrevendo queiram também escrever. Talvez esse seja o maior intuito do escritor, que sua obra seja vista e seja copiada de outra forma através de outras ideias.
ObjorC — Você diria que falta profundidade?
Efigênio Moura — Fica faltando mais engajamento do repórter e da matéria em si, porque veja só como é que acontece… [o repórter] ele pergunta a história do livro, por que escreveu o livro, o que significa o título, por que você pensou daquela forma, onde está o livro, quanto é o livro… há um tempo pra isso, há um tempo feito pra isso. Mas, eu acredito que se o repórter pesquisasse mais ele ia saber que dentro do livro Pedro Jeremias tem, por exemplo, a história do primeiro campo de concentração do mundo. Onde foi o primeiro campo de concentração do mundo? Não foi em Auschwitz, foi em Fortaleza, Campo de Alagadinhos, 1915. A seca de 15, Rachel de Queiroz falou disso, não sou o primeiro a falar. Como é que nasce um coronel? Como é que morre um coronel? Porque o cangaço é um movimento social muito forte? Então se ele lesse isso, ele não perguntava quanto é o livro.
Então, falta um preparo maior, um interesse, talvez um tempo maior de maturação para fazer uma pesquisa cultural. Quando um escritor parte para uma discussão sobre o livro dele, ele se sente muito importante porque o cara leu. Então, o autor gosta disso, gosta de ser lido, interpretado e ser discutido e, principalmente, debatido. Falta isso para o repórter, talvez o tempo comercial não permita ele fazer isso.
ObjorC — É possível pensar que tais questões são refletidas nas abordagens jornalísticas feitas em torno do seu trabalho?
Efigênio Moura — Ela aborda assim, dizendo: ‘oxente — oxente não, ué… ué, você faz isso, mas, o que significa isso?’ Significa a mesma coisa de Piracicaba. Sabe o que é Piracicaba? Isso foi para um pessoal de São Paulo. Vocês conhecem Piracicaba? Sim, conhecemos. Porta, portinha e portão [com sotaque]. O sotaque de Piracicaba é bem material, fizeram questão disso e fazem questão de falar dessa forma. Rolando Boldrin, excelente, cita da forma como tem que ser citado. Zé da Luz, viver isso aí e não só nordestinos que vivem. Quantas vezes Luiz Gonzaga canta “o seu olhar magneto”, o que gota serena é magneto? É magnético, e a gente sabe que é magnético, mas se sente bem ouvindo magneto. É uma coisa nossa. Então a música nossa, né? A latada da gente, sabe? O forró de latada, Josildo Sá, Maciel Melo, Irah Caldeira, que é mineira, mas é radicada em Pernambuco. Vamos falar de Flávio José, de Nonado Alves, de Gilmar Cavalcante, de Osmando Silva. Vamos falar dessa gente da gente, bora falar do forró, Chico Bezerra, Petrúcio Amorim… Vocês já entraram nas letras desse pessoal? Você já entrou no galope à beira a mar de Maciel Melo? Você já ouviu Jadson Lima, do Rio Grande do Norte? Você já leu Anne Carolina, daqui de Campina Grande? Já ouviram Biliu de Campina, Jackson do Pandeiro, Jacinto Silva? O que eles têm é muito bom e o que nós temos é muito bom também. Não somos melhores e nem piores, nem tampouco medianos, nós somos tampa de crush. Crush, aquele refrigerante de antigamente que é muito bom.
ObjorC — Quando um livro seu é publicado, você imagina como a obra será recepcionada pela crítica especializada?
Efigênio Moura — Uma situação muito interessante em relação à crítica é que ela me é silenciosa, ela não bate e nem afaga. Se eu não provocar ela não mostra. Então, há um desinteresse da mídia cultural. Principalmente, os jornais. Eles se voltam para o que acontece naquela cidade, naquele canto. Então, João Pessoa hoje tem um show das Chacretes. Pronto, então aquilo ali é evidência. Depois daquilo ali eles botam qualquer coisa na coluna social. Então, permeia sempre nesse mundo. Quando você pega um ‘caba’ do pé da serra, de Monteiro, do Cariri, como Lisiane Azevedo que tem um trabalho fantástico também sobre literatura. Assim, se eu não for atrás, jamais vão saber que eu existo, e aí também tem uma coisa chamada Governo do Estado, que não apoia como o Governo do Estado vizinho.
Sinceramente, a crítica já que ela me é silenciosa, eu sou indiferente a ela. Eu faço a minha mídia através das redes sociais, que é muito mais forte.
Por exemplo, em Pernambuco você tem um órgão do Governo que funciona para o artista local. Eu tive agora na Felis, a Feira Literária do Sertão, em Arcoverde, e fiquei ‘abestaiado’ como é que Pernambuco dá um apoio à feira, teoricamente, pequena? Artistas de nome estão lá, participando da feira, conversando, promovendo. A CEPE — Companhia Editorial de Pernambuco está lá dentro patrocinando tudo. E aqui você pega a União, que é a nossa gráfica oficial, para lançar um livro, ela cobra quase 30 mil reais por 500 unidades. Um ‘caboco’ como eu tem 30 mil para botar num livro? Onde é que um autor paraibano começando agora vai ter 30 mil para bancar um livro numa gráfica oficial?
Tem um projeto que diz que as escolas públicas tem que ter os escritores lá dentro, os livros dos escritores paraibanos para serem debatidos. Quantos vão? Quantos livros são comprados? Se eu fizesse uma produção e o governo comprasse esse livro e botasse na sala de aula tinha uma contrapartida, eu ia lá conversar com alunos. Então, quando eu escrevo um livro eu não penso na crítica.
Eu tenho um site que vai ser lançado agora junto com o segundo livro. Eu tenho Instagram, o Twitter e Facebook. Então é por eles onde eu fico ‘encharcando’ o povo. Olha tá chegando, tá chegando, e por aí eu consigo vender uma edição. Essa primeira edição do Pedro Jeremias está toda vendida. São 600 livros. Vendi todo pela internet em uma pré-venda que fiz. Quer dizer, eu vendi. Então, o que a mídia faz? Nada. A mídia quem faz sou eu. Se você for depender da grande mídia… a grande mídia ajuda?
ObjorC — Na sua avaliação, como a Literatura pode se tornar um meio de intervenção social? Você, por exemplo, com um trabalho realizado em escolas públicas, como avalia a importância disso para o seu trabalho como escritor?
Efigênio Moura — Eu cheguei numa escola aqui em ‘riba’, uma escola pequena, e aí quando eu cheguei, vi os alunos, o mais velho tinha uns sete anos de idade. E eu tive, apesar do joelho ruim, de sentar perto deles e começar a contar histórias para eles e daí saiu uma série chamada O mundo semiárido de José. Eu comecei a criar história sobre a Baraúna, sobre o Angico, sobre o peba, né… sobre objetos, animais e plantas que são da nossa caatinga, do nosso semiárido. E aí eles se interessaram e começaram a fazer redações em torno daquele assunto. Olha, se o poder público desse opção para o escritor chegar em sala de aula e dizer como se faz, como fez, como ele queria que tivesse feito, outros vão fazer. Aquela sala tem 30 alunos, serão 30 novos escritores. Então é isso que temos que fazer. Nós temos que sair do nosso lugar comum e ir para a sala de aula, principalmente, aquelas que são menos cuidadas pelo governo, principalmente essas.
ObjorC — E quanto a esse contato com o público, sobretudo com as crianças?
Efigênio Moura — Primeiro há uma separação, um vidro invisível, onde existe o possível e o impossível. O possível é o escritor. Quando eu estava com o Ciço de Luzia rodei o Estado quase todo. Quando eu cheguei em Catolé do Rocha o pessoal ficou olhando para mim, uns três minutos, mais ou menos espantados, até eu tocar neles. Porque eles nunca tinham visto um escritor vivo. Aquela história do vestibular que você sempre lê Machado de Assis, José Lins do Rêgo, todos já falecidos. Então você não tinha um contato, você não escutava do autor aquilo que ele fez, não debatia o livro com ele.
Lá em Catolé do Rocha foi fantástico por isso, porque eles ficavam achando que era um ser, realmente, de outro planeta. Não pessoal, sou eu. Eu bufo também, eu dizia. Eu arroto também. Então, criava aquela interação. Existe ainda a separação que não tem que ter. O escritor é um deles. E ainda é fantástico porque existe ainda aquela magia. Pô, tu escreveu isso cara, que bacana, como é que tu fez? E tu poder ouvir como o cara fez. Porque você não chega para Machado de Assis, e Capitu, o que Capitu era, pelo amor de Deus, Machado? E ele não vai dizer e quem vai criar Capitu é você. É uma pergunta que você também não pode responder, né… Ciço de Luzia, Ciço e Luzia vão casar? Leia. Aí quando lê? Casaram? Leia. Mas, e depois do casamento? Aí você continua a história. Tanto é que na segunda edição do livro eu coloquei continue a história se quiser. Ai está lá um espaço. Mas, ainda assim é muito mágico e você vê o interesse deles na escrita.
E eu faço muito isso, pego uma folha em branco, coloco para eles e vou contando uma história aqui e vocês desenham o que vocês quiserem. Eles vão desenhando a cena que eu vou descrevendo. Aí pego um trecho do livro e leio e eles fazem, escrevem ou continuam, ou eu paro e eles continuam. Então, isso aí já é um estímulo para que eles também possam escrever e se você puder fazer isso em todas as escolas… é um projeto que nós temos na Academia Campinense de Letras. É sair de dentro do mofo da Academia e ir para a sala de aula.
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